KISS
Simplifique, estúpido
José António Baço - Especial para A notícia
Kiss é o acrônimo da expressão inglesa keep it simple stupid, um daqueles clichês muito repetidos pelo pessoal do marketing. É uma técnica tão eficiente que deveria ser cadeira nas universidades. Mais do que isso, devia ser disciplina obrigatória para todos os intelectuais.
Porque eles não conseguem simplificar: as coisas só fazem sentido quando dão um nó no cérebro. Um dia destes ouvi uma comunicação numa universidade (é assim que os intelectuais chamam as suas intervenções) e uma professora se propunha a analisar os filmes "A Rosa Púrpura do Cairo", de Woody Allen, e "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock.
Até aí tudo bem. Mas a tal senhora é uma intelectual e não deixou por menos: ia fazer a análise a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty e alguns apontamentos de Lacan- "Uau, é genial", via-se o brilho no olhar dos outros intelectuais- "Ih, viajou na maionese", pensei eu, que já havia assistido aos dois filmes e nunca vi essa tal fenomenologia. Foi um tremendo pé no saco. Ela tinha umas preocupações esquisitas:- "A realidade está na tela ou na platéia?"- "Como se desenvolve o jogo das alteridades?"- "É o meu olhar que se apossa da personagem ou é o olhar da personagem que se apossa do meu?"Questões essenciais para o futuro da humanidade, como se pode ver. A minha ignorância veio à tona e levou-me a decidir:- "Catso, nunca mais vou ao cinema. Só volto a ver um filme quando souber que porra é isso de jogo de alteridades". O simples e o óbvio não interessam aos intelectuais.
A coisa é mais ou menos assim: eu, se estou à frente de um copo de cerveja, bebo; um intelectual elabora uma tese sobre o vazio. Aliás, isso faz lembrar de uma historieta que corre aí pelas universidades. Um professor de pós-graduação entra numa sala, aponta para a mobília e propõe um exercício:- "Provem que esta mesa não existe". Os protótipos de intelectuais desatam a imaginar monografias. Um estudante de filosofia pergunta: - "Acha adequado usar as teorias de Husserl?" Outro reflete:- "Talvez as análises de Heidegger sejam as mais corretas". Enquanto discutem autores e teorias, um aluno de publicidade se levanta e, para espanto geral, entrega o trabalho. O professor, também surpreso, olha para o que ele escreveu. Havia uma simples frase:- Mesa? Qual mesa?
É como diz o velho deitado: "Intelectual é o sujeito que tem sempre um problema para cada solução".
José António Baço, publicitário e jornalista.
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